Assunto do momento, não é difícil encontrar alguém que recebe o Bolsa Família e arrisca nas apostas online e com frequência. Na favela ao extremo sul de Campo Grande, a “Cidade dos Anjos”, há muitas histórias dessas, poucos admitem que perderam, a maioria fala de ganhos nas bets.
A contradição é que todos os entrevistados recebem a Bolsa, mas ninguém assume que o valor foi pago com o benefício do Governo Federal. Pelo contrário, sob risco de perderem o valor pago para famílias carentes, todos ali dizem que é inaceitável investir “dinheiro do governo nessas coisas”.
Um casal, ela com 33 e ele aos 28 anos, toma tereré em uma tarde de 35°C. A mulher assume que gastou muito dinheiro com os tradicionais títulos de capitalização disponíveis no mercado, por isso, não julga quem tenta ganhar dinheiro pelas apostas online.
“Acho que vai de pessoa pra pessoa. Tem quem só quer pagar uns boletos e os que realmente desejam mudar de vida com a possibilidade de muito dinheiro”, pensa ela, que aceitou dar entrevista desde que o nome fosse preservado, assim como os demais.
“O que mais tem é gente que joga no Tigrinho aqui na comunidade. Vire e mexe tem gente no grupo pedindo para trocar dinheiro [moeda física] por Pix [virtual] e conseguir apostar. Mas claro que também tem a procura de novos aplicativos, estão sempre pedindo indicação”, adiantou o jovem.
Muito simpática, uma manicure de 27 anos conversa em frente ao barraco do pai dela. Seguindo os conselhos da mãe, que teme o vício, jura que nunca baixou qualquer tipo de jogo de apostas no celular, só que compartilha a experiência de uma amiga próxima,
Minha amiga dali, uma vez colocou toda a pensão do filho dela no Tigrinho. Acho que foi 600 reais de uma vez! Depois não quis mais apostar. Minha mãe conta que as colegas de trabalho dela estão perdendo muito dinheiro nisso, aí sempre me aconselha a não baixar. Tenho curiosidade até, mas não sou muito boa em tecnologia. Ah, tenho clientes que faço a unha delas enquanto apostam”, detalha.
O namorado da manicure chega em uma motocicleta, estaciona e logo participa da conversa. Aos 28 anos e adepto das apostas, ele confessa que perdeu o controle uma vez, quando viu “sumir” da sua conta R$ 300. Hoje alega conhecer os macete.
“É complicado porque tem que saber a hora de parar. Depois que eu perdi o controle uma vez, só continuo o investimento quando a plataforma mostra que tá pagando. Tem trilhões de reais rolando ali o tempo todo, uma hora abençoa”, acredita.
Uma das ruas da favela apelidade de “Cidade dos Anjos”, no Bairro Parque do Lageado (Foto: Osmar Veiga)
Em meio a alguns materiais de construção, para cimentar o chão do barraco que mora com os dois filhos, dona de casa de 30 anos fica feliz ao falar dos aplicativos. “Certa vez o Tigrinho me salvou! Tirei um bom dinheiro e levei meus filhos para comer um lanchão ali na Avenida. Só que eu não sou nem louca de colocar o dinheiro do Bolsa Família deles nas apostas, eu uso para comprar as coisas para eles. Entendo o Governo querer proibir, mas não é só dinheiro do Bolsa Família que roda aí na praça, trabalhamos também”, garante.
Bolsa Família nas Bets – Na última terça-feira (24), uma nota técnica do Banco Central apresentou que os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas online via Pix só no mês de agosto.
Segundo analisado, cerca de 5 milhões de beneficiários de um total aproximado de 20 milhões fizeram apostas via Pix. O gasto médio ficou em R$ 100. Dos 5 milhões de apostadores, 70% são chefes de família e enviaram, apenas em agosto, R$ 2 bilhões às bets (67% do total de R$ 3 bilhões).
Por isso, até o fim desta semana, o grupo de trabalho criado pelo MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) deve anunciar as medidas que serão tomadas para restringir o uso do benefício nos aplicativos de apostas. – CREDITO: CAMPO GRANDE NEWS