Chuvas nesta sexta-feira (24) ampliaram nível dos rios de Bonito, município turístico a 297 quilômetros da Capital, o que tem provocado transtornos a moradores e turistas. O solo já estava úmido, por conta das chuvas registradas neste mês, e a preocupação é que os extremos climáticos ampliem as dificuldades.
Por causa das fortes chuvas, turistas e funcionários do Abismo Anhumas, ponto de visitação famoso na cidade, ficaram ilhados. A MS-382, que dá acesso à Gruta do Lago Azul, por exemplo, foi destruída pela enxurrada.
Ex-secretário de Turismo do município e presidente do IDB (Instituto de Desenvolvimento de Bonito), Augusto Barbosa Mariano explica que os rios Mimoso, Formoso, Prata e Anhumas foram os mais afetados. “Tirando isso, algumas interdições pontuais e algumas árvores que caíram estão voltando dentro da normalidade”.
Ele, no entanto, comenta que impactos em 2013 e em 2018 foram tão grandes ou até maiores que os desta semana. “A nossa estrutura é muito rápida para dar reforços. Os balneários aumentam muito o volume de água e também turvam as águas. Por questão de segurança, há passeios cancelados. Mas até o fim do dia, não tinha nenhum ponto de alagamento”.
Um dos principais fatores, na avaliação dele, é o aumento de extremos climáticos. Mariano ressalta que mora há 43 anos na cidade e que, na sua opinião, o Rio Formoso sempre encheu e ficou turvo, mas o período para isso acontecer era maior. “Demorava mais para encher e turvar. Também limpava mais rapidamente. Hoje, tem demorado mais esse processo de voltar a transparência da água”.
A gente não pode esquecer que a temperatura do mundo tem aumentado em cerca de dois graus ao ano. A gente tem a influência dos rios voadores que vêm da região amazônica, não podemos esquecer que nosso Pantanal tem perdido grande quantitativo de água e tudo isso em função da mão humana. É muito difícil resolver isso a curto prazo, mas a médio e longo prazo, é possível”, afirma Barbosa Mariano.
Ele descreve que em 2018, o Balneário Municipal transbordou e gerou um “caos” aos munícipes. Segundo ele, há vários fatores que influenciam para aumentar as dificuldades. “Isso é uma série de fatores – a supressão vegetal tem provocado um aumento, mas também as mudanças climáticas. Também tivemos um boom imobiliário na beira dos nossos principais rios e córregos, como o Prata ou o Seco”.
“Cada chácara que loteia, se cria mais um acesso ao rio, com passarela de deck. Você tem mais uma fossa séptica, captação de água, e mais gente frequentando o rio ou alugando, frequentando. Temos o aumento de turistas, e há mais veículos circulando, impactando as nossas estradas. Elas não foram planejadas para receber carretas bitrem de 40 ou 50 toneladas.”
Ele aponta que é preciso recuperação de áreas desmatadas e estruturação para que não haja mais impactos, já que as lavouras de soja, por exemplo, exigem diversos veículos e maquinários. “Não adianta querer culpar só uma parte. Custa caro, o tempo é demorado, mas é possível”.
“As nossas estradas precisam ser melhoradas e levantadas. Construídas sem dó de recursos, de hora-máquina, de tempo, de mão de obra. Com caixas de retenção e contenção. As estradas precisam ser mais altas e as caixas de retenção e contenção têm de ter processo de decantação, e também uma diminuição na velocidade da água para chegar nos nossos rios”.
Ele aponta que é preciso recuperar APPs (Áreas de Preservação Permanente), áreas degradadas e matas ciliares. “Deveríamos ter um moratório, igual tem em áreas de pesca, proibindo desmatar em certos locais”.
O advogado José de Oliveira, que atua em coordenação com o IDB, mencionou a falta de parlamentares em audiência pública que tratou sobre a preservação ambiental em Bonito. Ele também ressalta que o problema não está nos produtores rurais. “Todo mundo acha que é só o produtor rural responsável pelo turvamento da água. Isso não é verdade”.
“Hoje eu vi o balneário e a água estava em todo local. Mas temos uma grande vantagem, o declive dos rios é muito rápido. A água vai encher o Rio Miranda, lá em Miranda, já que toda água que sai daqui vai para lá. Mas precisamos de conscientização humana. Ocupar menos as beiras do rio, proteger mais, levar mais a sério as nossas reservas legais. Se nós não fizermos isso, não vai ter área que vai suportar a situação climática que está acontecendo no mundo.”
MS-382, depois da entrada para a Gruta do Lago Azul, em Bonito. (Foto: Direto das Ruas)
Turismo – Segundo Mariano, o turismo é a principal atividade econômica de Bonito. “É o maior investidor, empregador e responsável por mais da metade do PIB [Produto Interno Bruto] de Bonito. Hoje são cerca de R$ 1 bilhão por ano que arrecadamos com turismo, há cerca de R$ 500 milhões”.
Proprietário do Recanto Ecológico Rio da Prata, Eduardo Coelho relata que as chuvas foram uma das maiores dos últimos anos e, conforme estações meteorológicas mencionadas por ele, choveu em torno de 180 milímetros ao longo do dia.
“Essa chuva já pegou um solo úmido, então não tinha muita condição de absorver a água. Houve muito escoamento superficial, então está tendo enchentes fortes na região e vai encher muito o Rio Miranda. Toda a água dos rios daqui caem no Miranda. Além disso, tem escorrido muita lama da cidade – há muitas obras em andamento e muito solo mexido. A água suja dos córregos urbanos vai descendo.”
O empresário detém local para que turistas façam flutuação e explica que o rio homônimo subiu cerca de 1,5 metro. No entanto, ele estima que se não fosse por trabalhos de conservação do solo na propriedade, o aumento poderia ter sido de 2,5 metros e 3 metros.
“O Rio da Prata tem se comportado muito melhor do que se comportou há três anos. Mas essa chuva foi muito grande, talvez seja a maior chuva dos últimos 10 ou 20 anos. Ela pegou o solo encharcado. Às vezes a chuva é muito grande e o solo está bem seco. Nesta época, uma chuva grande seria de 80 a 100 milímetros, então 180 milímetros é muita coisa.”
Entre as medidas possíveis, estão barreiras de pedras que quebram velocidade da água, caixas de retenção, curva de nível, dentre outros. “Foi uma chuva muito grande na região e é preciso trabalho de todos os envolvidos, no sentido de melhorar a condição do solo tanto na cidade, quanto no meio rural. Com toda a chuva, a nascente do Rio Olho D’água continua transparente, porque está protegido”.
“Se tiver bom trabalho de conservação, tem menos turbidez. Isso é uma responsabilidade da cidade, da Agesul, das fazendas.”
Impactos financeiros – Segundo Coelho, nesta sexta-feira, vários locais turísticos ficaram fechados por conta das chuvas. “Talvez alguma nascente conseguiu operar e talvez grutas ou o zoológico. Mas a grande maioria, até por segurança, fechou. Está caindo muito raio, mas teve pouco vento, então tivemos problemas de energia”.
“O empresário já sabe que vai ter dias que não vai operar por condição climática, isso já é parte do negócio. O turista que às vezes acha ruim, porque planejou a viagem, mas é a natureza. Os rios, ao menos, ficam cristalinos muito rápido. Amanhã já tem um monte de atividade operando.”
Ele menciona até as chuvas que desabrigaram e mataram dezenas de pessoas no litoral paulista, na última semana, como exemplo do que a natureza pode fazer, caso não haja medidas de contenção. “A gente tem avanços acontecendo na região, mas eventos como esse mostram que tem muito para ser feito”.
“Tem que ser trabalhado em conjunto – todos os segmentos da sociedade e governo. Quando a água desce marrom, você está perdendo solo. Em lugares onde pessoas morreram, eles estavam na beira de morros, em barracos. Tem que dar um jeito da pessoa mudar de lá com segurança e conforto. Precisam se adaptar melhor para esses eventos extremos – e parece que cada vez tem mais – sejam resolvidos.”
A Defesa Civil de Bonito emitiu alerta para chuvas torrenciais. A previsão é de que o tempo continue instável durante a tarde e no fim de semana, aumentando o risco de alagamentos em vários pontos da cidade, principalmente em ruas próximas aos córregos urbanos. Vários pontos foram interditados.
(*) Matéria alterada para correção de informação. Vídeo de ponte de madeira levada pela força da água que havia sido enviado à reportagem não é atual. – CREDITO: CAMPO GRANDE NEWS