Preços dos alimentos em alta e sem previsão para uma sonhada diminuição nos valores têm feito muitos campo-grandenses mudarem hábitos de consumo. Produtos tradicionais como a carne bovina, o leite e seus derivados – como iogurtes, queijos, manteigas e requeijões – começam a ser riscados da lista de supermercados. No caso das proteínas, a carne bovina, que já foi substituída pela de frango, agora passa por mais uma transição: o hábito de comer carne de porco, além de alimentos processados como salsichas, mortadelas e enlatados como a sardinha.
O vai e vem dos preços alterou tanto os hábitos alimentares, que é cada vez maior o número de pessoas que passaram a comprar frutas, verduras e legumes nas épocas mais propícias, ou seja, na safra de cada um. Quanto ao leite e seus derivados, como a alta de preços persiste desde o início deste ano e ainda vai continuar porque a produção será menor este ano, a solução é radical: uns deixam de comer e outros diminuem drasticamente, comprando uma quantidade mínima pelo fato de terem crianças em casa. No entanto, quando o orçamento não mais suporta, a criançada é obrigada a esquecer do leite.
A boa notícia é que os números da cesta básica – apresentados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) – tiveram deflação de 0,49% em junho. Mesmo assim, no período relativo ao primeiro semestre, a alta acumulada é de 9,55%. Quando a análise passa a ser feita tendo como base os últimos doze meses, o resultado é de uma inflação galopante de 23,97%. Agora, o valor da cesta básica em Campo Grande está em R$ 702,65 – a quinta mais cara do país. E, para uma família composta por quatro pessoas, o custo é de R$ 2.107,95 só com alimentação.
Alheia a tudo isso, a técnica de enfermagem Pâmela Pereira, 33, disse que já trocou a carne bovina pela de frango e agora está na de porco. Ela relata, ainda, que o tradicional café com leite se transformou em café puro. “Infelizmente, para quem tem um orçamento apertado, não tem muito o que discutir. Ou muda os hábitos alimentícios ou passa uns dias sem comer, porque os preços estão subindo”, disse. E Pâmela tem razão: apesar da carne bovina está com o preço estabilizado, o preço médio por quilo vem sendo comercializado a R$ 40,48. “Às vezes o que vejo é uma subida de preços mais lenta, mas baixar que é bom, nada”, acrescenta Pâmela Pereira.
Para Denise Moretti, 30, autônoma e mãe de três filhos, é doloroso demais ter que falar para as crianças que alguns produtos não podem mais ser comprados porque o orçamento não dá. “Vou ao mercado duas vezes ao mês para as compras maiores, mas diminuí muito a compra do leite, mas tem outra coisa acontecendo: tem muito produto, como achocolatados, por exemplo, que a quantidade diminuiu e o preço foi mantido. Isso é um golpe muito baixo”, lamenta Denise. Quanto aos adultos da casa, o investimento tem sido nas frutas, legumes e verduras. “O tomate e a batata estão com preços bem em conta. Daí eu compro mais e faço bata frita para as crianças, que gostam muito”, destaca. Em junho, o quilo da batata caiu, em média, 19,6%. O tomate caiu 17,4%. O preço médio de um quilo do batata passou de R$ 5,37 para R$ 4,80, e o do tomate passou de R$ 6,41 para R$ 5,29.
Outros produtos presentes à mesa também registraram variação negativa de preços, como, por exemplo, o óleo de soja (-2,91%), o açúcar cristal (-2,87%) – que completou um trimestre de queda, e o arroz agulhinha (-2,52%). Em compensação, o leite de caixinha está há cinco meses em alta. Só em junho, o preço subiu 12,95% e registrou a terceira maior elevação do país, com preço médio de R$ 6,28 o litro. Além do leite, o feijão carioquinha (8,19%), a manteiga (5,69%), a banana (3,44%), a farinha de trigo (2,11%), o pãozinho francês (1,01%) e o café em pó (0,65%) registraram alta de preços.
O vendedor Givanildo Pedrussi, 46, é enfático ao dizer que alta de preços tem duas categorias. A primeira, segundo ele, é a dos produtos que subiram demais ao ponto das pessoas terem que esquecer, como é o caso leite. A segunda categoria é a dos produtos que sobem lentamente. “Em todos os casos tudo afeta o bolso da gente. No meu caso, a mudança é ainda maior porque moro sozinho e nem sempre tenho tempo de fazer comida. Como em alguns restaurantes e já vi algumas mudanças. No prato feito, a quantidade de comida diminuiu. Muitos restaurantes mais simples retiraram o azeite e deixaram apenas o molho shoyu. Não sei onde isso vai parar. Será que ninguém entendeu que se não tiver ninguém em condições de comprar, eles também não vão vender?”, detalha e questiona Givanildo.
Para Edilson Santos, gerente de um supermercado movimentado em Campo Grande, apesar de o setor alimentício ser quase impossível de deixar de consumir, a população está atenta e sabe tratar do bolso. Ele explica que normalmente o que é colocado em promoção vende rápido porque as pessoas sabem que se trata de uma oportunidade de comprar mais. “Precisamos dos clientes e queremos que eles se sintam bem. Então, estamos diminuindo ao máximo à margem de lucro. Só assim estamos conseguir manter o nível de consumo. Infelizmente, tem produto – como o leite – que tem sido tanto que não conseguimos diminuir tanto assim o nível de preços, mas estamos nos esforçando”, frisa.
Preços afetam bolso, mas saúde tem que ser mais importante, diz nutricionista
A nutricionista Melina Ribeiro Fernandes, do Senac Turismo e Gastronomia (Serviço Nacional de Aprendizagem Cultural), revela que é estarrecedor as pessoas terem que mudar os hábitos de consumo alimnetícios por causa da disparada dos preços de produtos vitais. Mesmo assim, diante de um cenário desolador para muitos sul-mato-grossenses, a saúde necessita ficar na frente em termos de cuidados.”Os gastos com o corpo por conta de uma saúde debilitiada são ainda maiores”, complementa Melina.
Para a nutricionista, o consumo de alimentos ultraprocessados pode agravar diversas doenças, como, por exemplo, diabetes tipo 2, doenças cardíacas, câncer, depressão, além do ganho de peso que contribui ainda mais para o agravamento da saúde. “Os alimentos ultraprocessados como embutidos, salsichas e refeições fast food, passam diversos processos industriais que perdem os valores nutricionais. Esses alimentos são ricos em adição de conservadores, realçadores de sabor, gorduras, açúcares, sal e aditivos químicos. Muitas vezes a população opta por alimentos industrializados pela oferta de preço e praticidade, o que pode trazer sérios problemas de saúde a longo prazo”, alerta Melina Fernandes.
Quanto ao leite, a nutricionista destaca que a queda do consumo de leite pode se relacionar com a oferta cada vez maior de outras bebidas, como a de iogurtes, bebidas lácteas, compostos lácteos, achocolatados industrializados, sucos industrializados e refrigerantes, que apresentam preços mais em conta. Para Melina Fernandes, outro ponto que também pode interferir além do preço é o aumento das pessoas que possuem intolerância ao leite APLV (alergia a proteína do leite de vaca) e intolerância à lactose. Já para as pessoas que toleram bem o leite, ela afirma tratar-se de um excelente alimento e complemento, rico em nutrientes e cálcio. Já em relação às frutas, verduras e legumes, que passaram a ser mais consumidos devido à queda de preços em época de safra, Melina Fernandes disse apenas que em todo e qualquer cenário de crise, sempre há algo bom.
Fonte: midiamax