Prestes a completar o quinto mês, agora em 24 de julho, as movimentações russas parecem ganhar uma nova característica dentro do território ucraniano.
Após anunciar a tomada do controle total da região de Lugansk, no leste da Ucrânia, em 3 de julho, a Rússia determinou uma pausa operacional para suas tropas em Donbas. Agora, Moscou inicia uma nova ofensiva contra regiões ucranianas para conquistar seus objetivos estratégicos. Ao mesmo tempo, o governo de Kiev dá sinais de possíveis contra-ofensivas com a aquisição de novos armamentos militares do Ocidente, como os lança-foguetes múltiplos HIMARS, fornecidos pelos EUA.
Nesta quarta-feira (20), ficou mais claro que as perspectivas de avanço sobre novos territórios na Ucrânia de fato estão nos planos da Rússia.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, declarou nesta quarta-feira (20) que os “objetivos geográficos” da operação militar russa na Ucrânia mudaram. De acordo com ele, agora estes objetivos não se restringem apenas às chamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, mas também a vários outros territórios.
“A geografia agora é outra. Não se trata apenas das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, mas também da região de Kherson, da região de Zaporizhzhya e de vários outros territórios, e este processo continua, de forma consistente e persistente”, disse Lavrov em entrevista ao canal RT.
Segundo o ministro, a mudanças nos objetivos ocorre principalmente por conta do fornecimento norte-americano de sistemas de mísseis HIMARS para a Ucrânia. Lavrov apontou que enquanto o Ocidente entregar a Kiev mais e mais armas de longo alcance, os objetivos geográficos da operação especial russa serão adiados.
A ajuda militar adicional dos EUA à Ucrânia também já havia sido antecipada pelo porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, que disse que Washington continuará a “fornecer à Ucrânia níveis históricos de assistência à segurança”. “No final desta semana, o governo anunciará a próxima entrega presidencial de pacote de armas e equipamentos para a Ucrânia”, acrescentou.
Inclusive, um relatório divulgado pelo Instituto Americano para Estudos da Guerra (ISW), em 16 de julho, relatava do lado ocidental que a Rússia teria completado a sua pausa operacional no front e que o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, teria ordenado que suas tropas retomassem as operações ofensivas ativas no leste da Ucrânia.
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O Ministério da Defesa do Reino Unido também declarou no último domingo (17) que a Rússia também estaria fortalecendo as defesas nos territórios que ocupa no sul da Ucrânia, após pressão das forças ucranianas.
O chefe do Estado-Maior Conjunto, general do Exército dos EUA Mark Milley, informou nesta quarta-feira (20) que 12 lançadores múltiplos de foguetes HIMARS adicionais já foram transferidos para a Ucrânia.
Ajustes da operação russa
Não é a primeira vez que Moscou indica uma mudança de rumos estratégicos na guerra da Ucrânia. Em meados de abril, o Ministério da Defesa russo anunciou a retirada das tropas dos arredores de Kiev, destacando que os principais esforços seriam concentrados na “libertação” do Donbas ucraniano. A partir dali, o Kremlin concentrou as investidas na tomada de controle das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk.
O cientista político Dmitry Perlin, vice-presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Diplomacia Moderna, em entrevista ao Brasil de Fato, declarou que, do ponto de vista militar, as forças militares mais avançadas da Ucrânia encontram-se justamente em Donbas, mas destacou que o alcance dos objetivos nesta região não devem parar as tropas russas.
“Desta forma, assim que as tropas das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, com o apoio das forças da Federação Russa, cumprirem todas as metas em Donbas, o cenário da guerra vai mudar significativamente”, afirma.
Essa mudança no cenário do conflito, segundo o analista, aconteceria porque “justamente em Donbas estão concentradas as mais profundas e defensivas infraestruturas militares e armazéns de armas da Ucrânia”.
Ou seja, ele diz que “a manutenção do controle sobre estes territórios diz respeito à questão das perspectivas de Estado a longo prazo [para Kiev], porque assim que as forças mais avançadas da Ucrânia forem destruídas em Donbas, posteriormente será significativamente mais difícil fornecer segurança à defesa no território da Ucrânia”, acrescenta.
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Para o cientista político, o controle de Donbas abriria o caminho para a Rússia buscar alcançar efetivamente a desmilitarização da Ucrânia, reduzindo ao mínimo sua infraestrutura de armamento pesado.
“A posição da Federação Russa não irá mudar. Essa posição parte do princípio de que a segurança na fronteira russa é uma questão de segurança nacional e representa um fator fundamental para um livre e estável desenvolvimento da Rússia. Não vejo base para afirmar que a Rússia irá recuar dos seus interesses nacionais e abrir mão das suas questões de segurança nacional por conta das intrigas políticas do Ocidente na Ucrânia”, completa.
Em relação aos alvos dos seus ataques, Moscou segue alegando que suas ofensivas visam instalações militares ucranianas e não são direcionados contra alvos civis.
No entanto, na última semana, um ataque no centro da cidade de Vinnytsia deixou 25 mortos , incluindo três crianças. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, classificou o incidente de ataque terrorista contra civis. Já o Ministério da Defesa russo afirmou que o bombardeio atingiu o comando dos militares ucranianos que estava realizando uma reunião com fornecedores de armas estrangeiras.
Anexação como estratégia?
Na medida em que a Rússia vai conseguindo assumir o controle militar em novos territórios ucranianos, aumenta a expectativa para que regiões como Kherson, Zaporozhya e Donbas sejam anexadas à Federação Russa. Autoridades separatistas apoiadas por Moscou já anunciaram a realização de referendos populares para o mês de setembro.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, afirmou que a “anexação pela força seria uma violação grosseira da Carta da ONU” e os EUA não permitirão que ela fique impune.
“Continuaremos a expor os planos russos para que o mundo saiba que qualquer suposta anexação é premeditada, ilegal e ilegítima. E estamos sancionando os fantoches e representantes russos instalados em áreas da Ucrânia que estão sob controle russo”, acusa.
De acordo com ele, “esses representantes vão organizar falsos referendos sobre a adesão à Rússia” e, posteriormente, “a Rússia usará esses falsos referendos como base para tentar reivindicar a anexação do território soberano ucraniano”.
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Quando a Rússia anunciou a operação militar na Ucrânia em 24 de fevereiro, o presidente Vladimir Putin negou qualquer intenção de ocupar territórios ucranianos, dizendo que seu objetivo era desmilitarizar e “desnazificar” o país.
Para driblar sanções, Putin viaja ao Irã
Em sua segunda viagem oficial para fora da Rússia desde o início da guerra na Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, reuniu-se com os líderes da Turquia e Irã, Recep Tayyip Erdogan e Ibrahim Raisi, na última terça-feira (19), em Teerã.
Presidente do Irã Ebrahim Raisi cumprimenta o presidente russo Vladimir Putin durante cúpula em Teerã em 19 de julho de 2022. / Presidência do Irã / AFP
Apesar da reunião trilateral não ter sido focada na situação da guerra na Ucrânia, o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, durante encontro com Vladimir Putin, declarou que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) teria iniciado uma guerra com a Rússia sob o pretexto da situação da Crimeia. A fala foi encarada como um apoio do líder iraniano à operação especial russa.
“Se você não tivesse tomado a iniciativa, o outro lado teria iniciado a guerra por sua própria iniciativa”, disse Khamenei ao líder russo.
A aproximação entre Moscou e Teerã neste momento é vista como oportuna considerando os sérios problemas que o Irã também enfrenta com as sanções econômicas ocidentais.
No momento em que a Rússia vive um significativo isolamento na comunidade internacional, a viagem de Putin seria mais um reforço da política externa russa de estreitar os laços com países que não se uniram à política de sanções do Ocidente.
Para o cientista político Dmitry Perlin, a operação militar russa na Ucrânia parte de uma grande guerra híbrida global do Ocidente contra a Rússia. Assim, a reunião trilateral em Teerã tem como base buscar reformular a ordem mundial vigente em conjunto com países que “recusam os ditames dos EUA e apoiam um mundo multipolar”.
Edição: Arturo Hartmann