Ídolo, no dicionário, quer dizer “imagem que representa uma divindade e que se adora como se fosse a própria divindade”. Embora pareça banalizada, o seu uso não denota nenhum exagero quando se trata de Roger Federer. Nunca na história do tênis um jogador foi tão admirado, estudado e glorificado como o suíço. Nesse aspecto, nem mesmo o maior dos iconoclastas consegue desmitificá-lo.
A notícia da aposentadoria de Federer, esperada há algum tempo e mera formalidade devido ao período de ausência no circuito, é naturalmente devastadora, mas também abre margem para uma reflexão: quantos atletas conseguiram transcender seu próprio esporte? Aos 41 anos, 24 dedicados ao tênis, Federer superou barreiras e rótulos para angariar fãs-clubes ao redor do mundo. Fãs que não necessariamente acompanham os torneios da ATP ou WTA com afinco, mas que só querem dedicar horas de suas vidas para assistir Fedex jogar.
Esqueça a discussão sobre quem foi melhor ou maior; quem saca ou voleia mais. Seria simplista, convenhamos, limitar Federer a tais debates. Ainda que seus estratosféricos números digam por si só (e aqui, admito, é uma declaração de intenção sobre os temas), é na classe, na elegância e na postura, dentro e fora de quadra, que o suíço se diferencia dos demais. Até pode ter existido (ou existirá) algum ser humano que ousou pegar numa raquete e bater numa bolinha melhor que Federer. Mas da forma e do jeito como Federer fazia? Esqueça. É uma hipótese fora de cogitação.
Aliás, soa como uma benevolência dos deuses que alguém com tamanha sutileza tenha criado uma dinastia justamente no mais clássico dos torneios. Foi em Wimbledon, uma espécie de Catedral do tênis, que Federer elevou sua figura para um patamar intangível. Na grama sagrada do Grand Slam de Londres, ele destronou, aos 19 anos, Pete Sampras, o antigo Rei, num jogo histórico na edição de 2001. Ganhou oito troféus, sendo cinco consecutivos entre 2003 e 2007. Realizou confrontos épicos contra Rafael Nadal e Novak Djokovic. E retornou de forma triunfal em 2017 para vencer pela última vez.
Saindo do campo da subjetividade, Federer apresenta estatísticas memoráveis. São 103 títulos conquistados, sendo 20 Grand Slam; 310 semanas como número 1 do mundo, sendo 237 consecutivas, entre 2004 e 2008; 1251 vitórias na carreira; cinco Prêmio Laureus, o Oscar do esporte. Foi o tenista mais velho a alcançar o topo do ranking da ATP, aos 36 anos, em 2017.
Federer desafiou o tempo e a lógica que permeia o tênis ao prolongar incrivelmente a carreira até os 40. Mas, em uma epopeia quase divina, ele mostrou que é humano como todos nós. Sua história no esporte teve início, auge, continuidade e a genuína decadência. É a beleza da vida. No fim, valeu a pena. Seu protocolar último ato será na Laver Cup do próximo dia 23. Estaremos juntos – com os lenços ao lado.