Obesidade infantil: Academia Americana de Pediatria divulga novas diretrizes para combate da doença

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obesidade é um problema cada vez mais crescente entre as crianças. Na última década e meia, as taxas de obesidade na infância subiram de 17% para 20%, de acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Desde a década de 80, os índices em crianças triplicaram e quadruplicaram em adolescentes. A pandemia também foi um fator importante: a taxa de ganho de peso quase dobrou em 2020, segundo relatório do CDC. Em visão do quadro preocupante, a Academia Americana de Pediatria (AAP) divulgou, em 9 de janeiro, novas diretrizes para o tratamento da obesidade infantil, destacando a necessidade do tratamento precoce e intensivo.

A obesidade é uma doença crônica (Foto: Thinkstock) — Foto: Crescer

A obesidade é uma doença crônica (Foto: Thinkstock) — Foto: Crescer

Pela primeira vez em 15 anos, o documento enfatizou que a condição é complexa e crônica, sem uma correção simples. Para tratá-la é necessário realizar mudanças drásticas de comportamento e estilo de vida, mas a AAP também incluiu recomendações para medicamentos anti-obesidade e cirurgia, o que é novidade. Essas diretrizes são uma resposta a resultados de pesquisas e aprovações de medicamentos inéditos nos últimos anos.

“Agora temos evidências de que a terapia para tratar obesidade é eficaz. Existe tratamento e é a hora de reconhecer que é uma doença crônica e deve ser abordada da mesma forma que abordamos outras doenças crônicas ”, disse a Dra. Sandra Hassink, diretora médica do AAP Institute for Healthy Childhood Weight e coautora das novas orientações.

Tratamento precoce

A AAP afirmou que as intervenções devem ser feitas o quanto antes. Não há evidências de que a observação, espera ou adiamento do tratamento adequado sejam benéficos. Segundo as diretrizes, para crianças com obesidade de 6 anos ou mais – e em alguns casos de 2 a 5 anos – a primeira abordagem deve ser trabalhar com pediatras e outros profissionais da saúde para mudar o comportamento e estilo de vida.

“O acompanhamento periódico da criança é muito importante para detectarmos os quadros iniciais de excesso de peso e fatores de risco. Costumo dizer que nossa sociedade tem os olhos treinados para não perceber os estágios iniciais da obesidade, afinal, muita gente ainda pensa que criança gordinha é uma criança saudável”, explicou Ludmila Pedrosa, endocrinologista pediátrica na Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, em entrevista à CRESCER.

De acordo com a especialista, o objetivo em detectar e agir rapidamente é evitar que a doença se prolongue e gere cada vez mais consequências para aquele organismo. “Além disso, quanto maior a duração da obesidade, mais enraizados estão os hábitos e, consequentemente, mais difícil será a mudança”, adicionou.

Medicamentos contra a obesidade

Uma das principais alterações das diretrizes é a recomendação de remédios contra a obesidade para crianças maiores de 12 anos. Pesquisas recentes têm mostrado cada vez mais que o peso de uma pessoa não é determinado apenas pela dieta e quantidade de atividade física realizada. Foi comprovado que a genética e os hormônios também podem desempenhar um papel na maneira como o corpo de uma pessoa usa e armazena energia.

Esse novo entendimento tem sido a base para o desenvolvimento de medicamentos inéditos. “Existem hormônios produzidos no intestino que têm vários papéis relacionados à obesidade. Essa descoberta permitiu a criação de medicamentos que podem ajudar as pessoas a se sentirem satisfeitas mais rapidamente e a estabilizar os níveis de insulina”, disse Han.

Vários remédios com este propósito foram desenvolvidos, como Orlistat, Saxenda e Qsymia. Em dezembro, a Food and Drug Administration, agência federal dos Estados Unidos, aprovou o Wegovy para crianças maiores de 12 anos. Segundo dados publicados no New England Journal of Medicine, uma injeção semanal do medicamento, juntamente com exercícios hábitos alimentares saudáveis, poderia ajudar crianças dessa faixa etária a reduzir seu índice de massa corporal em cerca de 16%, em comparação com pouco mais de 0,5% para um grupo que tomou um placebo.

“Vale destacar que o uso de medicações para perda de peso é uma opção para tratamento de crianças e adolescentes com quadros de obesidade mais grave”, reforçou Pedrosa. Além disso, as outras intervenções não devem ser descartadas. “Fica claro que o uso de medicações nunca deve ser feito de forma isolada, ou seja, sem que as medidas de mudança de estilo de vida e comportamentais sejam implementadas em paralelo. Quando, usadas com prudência, com indicação individualizada e acompanhamento criterioso, são uma ferramenta necessária frente ao aumento dos casos de obesidade na faixa etária pediátrica”, acrescentou.

Procedimentos cirúrgicos

A AAP também passou a recomendar que crianças maiores de 13 anos com quadros severos de obesidade sejam avaliadas para cirurgia metabólica e bariátrica. “Acredito que esses casos, infelizmente, realmente demandam da equipe estratégias mais agressivas no tratamento dessa doença. A proposta não é fazer cirurgia bariátrica para todas as crianças e adolescentes obesos, mas considerar essa possibilidade no tratamento de pacientes com quadros dramáticos de obesidade, para os quais as demais medidas, isoladamente, não surtiram o efeito esperado”, ressaltou Ludmila Pedrosa.

Apesar de ser uma medida mais drástica e invasiva, é algo válido para ajudar a saúde dessas crianças, segundo a endocrinologista. “Precisamos nos conscientizar que a obesidade é uma doença crônica cujo tratamento não demanda apenas ‘força de vontade’, pois sua origem envolve questões genéticas, psiquiátricas, comportamentais, costumes familiares, fatores ambientais e sociais, por exemplo”, reforçou.

A importância das novas diretrizes

A AAP afirma que, para tratar a obesidade infantil, são necessárias pelo menos 26 horas de consultas presenciais com uma equipe disciplinar ao longo de um ano, o que pode ser um desafio. Para resultados mais consistentes e significantes, o indicado são 52 horas anuais. “É um material muito rico, mas, infelizmente, o acesso à saúde é muito difícil para várias pessoas no Brasil e no mundo e a implementação de um acompanhamento tão de perto, como propõe o documento, pode não ser compatível com a realidade de muitas crianças”, opinou Ludmila Pedrosa.

Por outro lado, tais recomendações trouxeram muitos avanços para o combate à obesidade infantil. “Além de guiarem os profissionais de saúde e as famílias das crianças obesas, também colocam de forma oficial a necessidade da criação de melhorias nos sistemas de saúde, de forma a proporcionar acompanhamento e tratamento adequados para tais pacientes, nos moldes propostos pela diretriz”, afirmou a especialista.

De acordo com a endocrinologista, este é um assunto que merece mais atenção das famílias. “Acreditar que consultas esparsas, que duram apenas alguns minutos e sem acompanhamento de uma equipe multidisciplinar são capazes de resolver um problema tão crescente em todo o mundo, como é a obesidade, é negligenciar o futuro das nossas crianças”, destacou.

Por isso, a divulgação das novas diretrizes foram fundamentais, pois colocam em holofote um problema de saúde muito preocupante para a atualidade. “Sem dúvidas, ter um documento oficial de um órgão de peso como a Academia Americana de Pediatra, coloca a obesidade infantil como um problema de saúde global que deve ser pensado com urgência. Implementar medidas de prevenção à obesidade, identificá-la precocemente e fornecer um tratamento adequado são questões que precisam ser levadas a sério, principalmente frente ao aumento dos casos de obesidade”, finalizou.

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