Líder da Igreja Católica lamentou o “progressivo afastamento da prática da fé” nos “países de antiga tradição cristã”
Um “grito angustiado” que deve ser ouvido por todos, em particular pela Igreja Católica. O Papa Francisco quer a reconciliação das vítimas de abusos sexuais com a instituição, apontando um caminho a seguir: uma “purificação humilde e contínua”.
Falando no Mosteiro dos Jerónimos, e referindo-se a relatórios como o da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na. Igreja Católica Portuguesa, que sinalizou mais de 4.800 menores como vítimas de abusos sexuais por parte da Igreja, o Sumo Pontífice confessou a sua “desilusão e aversão de alguns devido aos escândalos” ocorridos, e que já abalaram a maioria dos países ocidentais.
Na homilia das Vésperas (oração ao entardecer) com bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, seminaristas e agentes pastorais, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, onde chegou para presidir à Jornada Mundial da Juventude (JMJ), Francisco admitiu existir uma “indiferença para com Deus” e “um progressivo afastamento da prática da fé” nos “países de antiga tradição cristã, atravessados por muitas mudanças sociais e culturais e cada vez mais marcados pelo secularismo”.
“Isto acentua-se pela desilusão e pela raiva que alguns nutrem face à Igreja, devido às vezes ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto e que nos chamam a uma purificação humilde e constante, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar”, afirmou o Papa numa alusão às vítimas de abusos sexuais no seio da Igreja Católica, mas sem nunca mencionar a palavra sexuais.
Aos presentes, numa intervenção em espanhol, Francisco alertou que o risco, face a estes acontecimentos, é cair na “resignação e pessimismo”, pedindo para que enfrentem “as situações pastorais e espirituais”, e dialoguem “com abertura de coração para experimentar novos caminhos a seguir”.
“Sonhamos a Igreja portuguesa como um porto seguro, para quem enfrenta as travessias, os naufrágios e as tempestades da vida”, afirmou Francisco.
Na sua segunda intervenção no país, esta centrada na vida interna da Igreja, e na qual citou Fernando Pessoa, Francisco referiu-se a uma passagem do Evangelho relativa à pesca e ao mar, ocupação dos primeiros discípulos de Jesus, defendendo, como uma das opções, que os membros da Igreja devem ser “pescadores de homens”.
Reconhecendo que “não faltam trevas na sociedade atual, inclusive aqui em Portugal”, Francisco apontou a incerteza, a precariedade, sobretudo a económica, a pobreza de amizade social e a falta de esperança.
“A nós, como Igreja, cabe a tarefa de submergirmos nas águas deste mar, lançando a rede do Evangelho, sem acusar, mas levando às pessoas do nosso tempo uma proposta de vida”, prosseguiu, observando a necessidade de o levar “a uma sociedade multicultural, (…) às situações de precariedade e pobreza, que aumentam, sobretudo entre os jovens”, onde é frágil a família e se encontram feridas as relações ou onde “reinam o desânimo e o fatalismo”.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão, cujos dados foram divulgados em fevereiro.
Em abril, foi apresentado o Grupo Vita, criado pela Igreja Católica para acompanhamento das situações de abuso sexual de crianças e adultos vulneráveis. É um grupo que funciona em articulação com as comissões diocesanas de proteção de menores