Emissoras como Globo e SBT, além de cantores pop têm apostado no conteúdo voltado ao público evangélico para criar audiência e bombar nas redes sociais.
Por Cristiano Stefenoni
Ouvir o louvor “Faz um milagre em mim”, de Regis Danese, em um show não é novidade. Mas quando é cantado pelo cantor pop Latino, toma outra dimensão. Ele interpretou essa canção na última sexta-feira (29), em sua apresentação em Carauari, no Amazonas. Além dele, a funkeira Tati Zaqui, conhecida por suas músicas de cunho sensual, revelou nas redes sociais que buscará no meio gospel a inspiração para mudar a letra de suas composições.
Esse “boom” do mercado gospel não tem atingido apenas os cantores seculares, mas também as grandes emissoras do país. O SBT, por exemplo, exibirá a aclamada série “The Chosen – Os escolhidos”, que narra fatos marcantes da vida de Jesus sob o ponto de vista dos discípulos e é sucesso nos streamings.
Já a Rede Globo, além do tradicional show “Promessas”, com os principais nomes da música gospel do país, a emissora fez uma espécie de The Voice Gospel, dentro do programa Altas Horas, de Serginho Groisman, ainda tem investido em novelas com a temática evangélica como a “Vai na Fé”, além de um documentário sobre a história da Igreja Evangélica no País e a exibição, na Sessão da Tarde, de vários filmes com temáticas cristãs.
Mas como o crente deve avaliar esses movimentos? Será que eles se encaixam nas palavras de Jesus em Lucas 19:40 que até “as pedras clamarão”?, referindo-se aos improváveis meios da pregação do Evangelho? Em suas redes sociais, o cantor Latino chegou a postar a seguinte mensagem sobre o louvor que cantou: “Deus sempre usando os loucos para confundir os sábios. Fechamos o show de ontem de forma inusitada. Quanta emoção!”
Esse “boom” de conteúdo gospel acompanha exatamente o crescimento da igreja evangélica no país, que cresceu mais de 22% nos últimos 10 anos, superando a marca dos 60 milhões de brasileiros e mais de 100 mil templos espalhados pelo Brasil, segundo dados do Censo 2022 do IBGE. A estimativa de especialistas é de que, daqui a 10 anos, os evangélicos sejam prevalecentes.
Para o pastor José Ernesto Conti, da Igreja Presbiteriana Água Viva, todas as coisas têm seu lado bom e ruim. “O lado bom é que ao cantar, tocar ou mostrar a ‘arte’ gospel, essas empresas e/ou pessoas estão mostrando um produto onde a mensagem é edificante e o padrão é o ideal para o ser humano. O lado ruim é que, ao misturar o ‘bom’ com o ‘ruim’, muitas vezes a mensagem fica diluída e a influência dessa boa mensagem não surte o efeito necessário”, ressalta.
O pastor alerta que as palavras de Jesus sobre o “clamor das rochas” não se enquadram nesse movimento porque o objetivo maior dessas empresas é comercial. “Ao colocar o gospel na programação, o objetivo não é proclamar o Evangelho, mas usar o gospel como atrativo para vender suas programações ou seus shows”, afirma Conti.
Além disso, o pastor prega a cautela em relação a esse “boom” evangélico e que a tarefa e a autoridade de se pregar a Verdade é da igreja. “O mundo não vai anunciar a Palavra de Deus despretensiosamente. Não devemos cair no ‘canto da sereia’ e deixar que o barco do Evangelho se choque contra as pedras da perdição. O mundo nunca vai pregar a Palavra sem que tenha por objetivo desviar o homem de encontrar-se com Deus. Todo cuidado é pouco”, alerta.
Quanto mais falar de Jesus, melhor
Já para o pastor da Igreja Batista Itacuruçá (RJ), Israel Belo de Azevedo, que também é jornalista, conferencista e autor de mais de 60 livros, é preciso ter, sim, cautela com o mercado, que visa o lucro, mas também olhar o lado bom desse movimento, já que são vários meios falando de Jesus.
“Obviamente que se os produtores de conteúdo evangélico puderem chegar a mais pessoas, melhor. Se esse tipo de produto puder chegar a outras casas, sejam elas por meio de livros, músicas, cinema ou teatro, isso é muito bem-vindo. O que não pode haver é um ufanismo, porque se trata de um negócio. Mas devemos estar presentes em todos os meios”, ressalta o pastor.
Ele lembra que o movimento do uso de conteúdos gospel nos meios de comunicação não é novo. “Isso em geral é bom, um reconhecimento, não do valor do Evangelho, mas do poder de consumo por parte dos crentes. A despeito de ser uma consequência do modo capitalista, ainda assim, é um meio que se deve usar, ser valorizado, para que tanto evangélicos ou não consumam esses produtos”, finaliza Azevedo.